...no centro da tela naquela manhã.
Tudo o que não era ela
...se desvaneceu
De cabelos presos, olhos fixos no banco à sua frente, sua mente permeava os mais absurdos conectivos que poderiam enfeitar a sua chegada na próxima estação. Sua saia solta já não a preocupava, contrariando o rito diário de esconder as finas canelas, Tarallethiel estava imunda. Não naquele sentido feio por falta de asseio, mas imunda por estar completamente desleixada em relação ao que os outros poderiam pensar sobre seus atos, passos, faltas, desapegos...
Luz... ação!
A porta se abriu e ela pensou mais uma vez antes de sair "...e se estiver frio lá fora?" Saltitou junto aos seus cabelos, levando à mão um casaco para cobrir um pouco a pele, que o frio já fazia arrepiar novamente.
Alguns passos e lá estava ela, feliz por estar em um lugar tão pouco desejado por si mesma. Mas que sempre serviu de refúgio quando sua alma estava cansada de tanta rotina. Nas costas, uma mochila pesada com um pouco de maquiagem, hidratante, uma escova de dente, poucas roupas e seus CDs inseparáveis. Chico Buarque não poderia faltar... ele a faz ninar desde criança. Nas horas mas íngremes de sua vida, a voz que os outros chamam de "um pouco desafinada" traz um sorriso afiado de sua boca, e planta no coração daquela moça uma sementinha que ela costuma chamar de "um amor que não se vive mais".
Llethiel (pronuncia-se lêfiel, dando ênfase na letra "L", como fazem os espanhóis) caminha sobre os quadros tomando o cuidado de pisar sempre dentro deles, enquanto seus dedos se perdem no bolso a procura de uma moeda, ou um pedaço de papel qualquer para pagar a coca cola que tanto fez falta no caminho. Mais alguns passos até o orelhão mais próximo e podemos ouví-la dizer em um tom quase desesperado: "_Amor! Cheguei!".
Nome estranho, porém belo. Tarallethiel - para alguns, apenas Llethiel - é quase élfico, como a magia que ela carrega em seus olhos observadores. Tem um significado zen, e distante da realidade... ou não! Talvez ser detentora de luz a faça suprimir todas as aventuras que poderiam tornar a sua vida cheia de males, revoltas e dores. Embora as dores estejam presentes quase sempre. Inclusive agora, ao engasgar o seu belo sorriso depois de uma ligação.
Ela abre a mochila, se desfaz daquilo que mais uma vez poderia ser amor, e ouve...
"Não me leve a mal, me leve à toa pela última vez
à um quiosque, ao planetário, ao cais do porto, ao passo...
...o meu coração, meu coração, meu coração parece que perde um pedaço,
mas não me leve a sério...
Passou este verão, outros passarão
E eu passo..."
* Leve - Música do álbum Carioca (2006) de Chico Buarque
Manda o próximo que esse tá muito bom!